O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) enviará ao Congresso Nacional nota técnica na qual se manifesta de forma contrária à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37. A PEC assegura às polícias federal e civil dos Estados e do Distrito Federal competência privativa para apurar infrações penais de qualquer natureza. A nota foi aprovada pela unanimidade dos conselheiros durante a 171ª Sessão Ordinária, realizada nesta terça-feira (11/6).
A sugestão de enviar a nota técnica ao Congresso foi apresentada pelos conselheiros Gilberto Martins e Wellington Saraiva. O documento aponta graves riscos aos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito que a aprovação da PEC poderá acarretar.
Formulada pelo Deputado Federal Lourival Mendes (PTdoB/MA), a proposição prevê a alteração do artigo 144 da Constituição Federal para assegurar somente às polícias a competência para conduzir investigações criminais. Dessa maneira, o texto afetaria a titularidade da ação penal reservada ao Ministério Público.
“A proposta contida na PEC 37 dimensiona e eleva a patamares insustentáveis os poderes da polícia judiciária e, como consequência, subestima e descarta a capacidade de atuação de outros órgãos públicos, como, por exemplo, a Receita Federal, sobretudo nos crimes tributários; as agências reguladoras, sobretudo nos delitos contra as relações de consumo e contra a economia popular; os tribunais de contas, sobretudo na identificação dos crimes contra a administração pública; o Banco Central do Brasil, sobretudo nos crimes contra o sistema financeiro nacional; a Comissão de Valores Mobiliários e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sobretudo nos delitos contra o mercado de valores mobiliários, nos crimes financeiros e nos crimes de lavagem de bens, entre outros. A proposta descompensa todo o sistema de controles públicos”, afirma a nota técnica.
De acordo com o CNJ, a PEC traria inovação altamente lesiva ao interesse social e ao exercício da jurisdição. A proposta da nota técnica foi bem-recebida pelo Plenário. O presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, se manifestou favorável à iniciativa.
Gilberto Martins ressaltou que, com relação aos crimes comuns, apenas 11% das ocorrências são convertidas em investigações. “Impedir que não apenas o Ministério Público, mas outras instituições que têm poder de controle no sistema criminal, possam também investigar, é altamente danoso ao sistema de Justiça e à sociedade”, afirmou o conselheiro.
Wellington Saraiva destacou que apenas cerca de 8% dos homicídios são apurados atualmente pelas polícias. “A PEC 37 aumenta a ineficiência do sistema criminal brasileiro. Como podemos dar privatividade para apurar os crimes a um órgão que não tem condições de investigar em níveis adequados?”, argumentou o conselheiro.
Deputados não desistem de enfraquecer a Lei da Ficha Limpa
Como todo mundo já sabe, os políticos não engoliram de jeito nenhum a Lei da Ficha Limpa, que foi um marco na história da transparência pública e controle social. Principalmente, não aceitam o fato de que ela saiu diretamente da sociedade, através de um projeto de lei de iniciativa popular que conseguiu mais de 5 milhões de assinaturas de cidadãos atuantes.
E eles bem que tentaram no ano passado, quando começaram a discutir o projeto de lei parlamentar 14/2011. A ideia central do projeto era permitir que políticos com contas julgadas irregulares pelos Tribunais de Contas e pelas casas legislativas se candidatassem enquanto um tribunal do Judiciário não decidisse a matéria, modificando a lei de iniciativa popular. Segundo a Associação Nacional dos Auditores de Tribunais de Contas, a ANTC, de cara, nada menos que 7 mil gestores em todo o país estariam liberados, o que se configuraria um grande golpe na Ficha Limpa.
As organizações da sociedade civil estavam de olho e, junto com entidades das carreiras de Estado, se mobilizaram e conseguiram o arquivamento do projeto. Mas como nossos deputados não vão descansar enquanto não afrouxarem a Lei da Ficha Limpa, esta semana começaram outra tentativa de golpe contra a transparência pública e a ética na política.
O grupo de trabalho que está analisando propostas para a reforma política, fez esta semana duas sugestões no mínimo polêmicas. Uma delas é a possibilidade de candidatura de ex-chefes de Executivo que tiverem sua prestação de contas rejeitada por tribunal de contas. Praticamente uma reedição do projeto 14/2011. E a justificativa não poderia ser mais perigosa. Para o coordenador do grupo, o deputado Cândido Vaccarezza (de São Paulo), o tribunal de contas oferece apenas um parecer sobre as contas que tem que ser votado pelo Legislativo. “Não pode um parecer, que não tem nem valor político, ter valor jurídico. Isso aí é da democracia”. Ou seja, na cabeça do nobre deputado, as decisões de tribunais de contas não têm valor e, pior, vão contra as instituições da democracia.
Não bastasse isso, os deputados querem que a declaração de quitação eleitoral emitida pela Justiça Eleitoral deixe de ser obrigatória para o registro de candidaturas. Uma verdadeira “festa da impunidade” para quem teve sua prestação de contas de campanha rejeitada. A declaração viraria apenas mais um papel burocrático sem valor real.
Isso tudo é muito preocupante, pois mostra o quanto o conceito da Ficha Limpa é desprezado pelo políticos de hoje. Mas as entidades da sociedade civil também não vão descansar e já começam a se organizar para combater mais esse golpe contra a cidadania. Para isso, não deixem de conhecer aqui no www.avozdocidadao.com.br as propostas para reforma política que realmente estão saindo da sociedade, através do MCCE e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política.
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em defesa da lei da Ficha Limpa
1. As redes e organizações da sociedade civil que lideraram o processo de conquista da Lei da Ficha Limpa vêm a público repudiar a decisão do Grupo de Trabalho constituído no âmbito da Câmara dos Deputados que acaba de aprovar proposta de drástica redução dos efeitos da Lei da Ficha Limpa.
2. A Lei da Ficha Limpa é clara ao criar obstáculos à candidatura de políticos que tiveram suas contas públicas rejeitadas por malversação dos recursos públicos. Não é admissível que a Câmara afronte a vontade manifestada por toda a sociedade brasileira, amparada em projeto de lei de iniciativa popular.
3. Esperamos que a Câmara reconheça a incorreção da iniciativa do Grupo de Trabalho e promova o imediato arquivamento da matéria.
4. Fatos como esse demonstram a urgência e a necessidade da luta por uma Reforma Política de iniciativa popular, próximo passo do nosso Movimento.
Ex-presidente do STF considera retrocesso tentativa de afrouxar Ficha Limpa
A tentativa do Congresso de alterar a Lei da Ficha limpa, beneficiando maus gestores, é criticada antes mesmo de entrar na pauta de votação. O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, ex-presidente da Corte, questionou a constitucionalidade e chamou de “desastroso retrocesso” a iniciativa de um grupo de parlamentares de aprovar projeto que abranda a legislação que pune os fichas sujas. Coordenado pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP), o grupo de trabalho responsável pela elaboração do projeto de lei complementar vai tentar levar a proposta à votação no plenário da Câmara na próxima semana. O texto beneficia prefeitos condenados por tribunais de contas que não tiveram os gastos rejeitados pelas câmaras municipais, responsáveis por julgamentos meramente políticos. Ayres Britto foi o relator do primeiro processo que obrigou o Supremo a se posicionar a respeito da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, reconhecida em 2010.
De acordo com a Constituição, as contas dos administradores e demais responsáveis pelo dinheiro, bens e valores públicos devem ser julgadas pelo Tribunal de Contas. A Lei da Ficha Limpa deixou claro que a regra também se aplica aos chefes do Executivo que chamam para si a tarefa de assinar empenhos e ordens bancárias de pagamento, por exemplo. Na prática, a regra atinge prefeitos de municípios pequenos. Pelas normas atuais, caso condenados pelos tribunais de contas, os mandatários municipais se tornam inelegíveis nos oito anos seguintes à data da decisão. O projeto de lei complementar que deverá ser discutido na reunião de líderes da Câmara, na semana que vem, altera esse dispositivo, prevendo que o prefeito só se torna inelegível se o legislativo municipal condenar as contas.
Para Ayres Britto, o projeto de lei complementar que será colocado para votação no Congresso parte de um pressuposto “falso e equivocado juridicamente”, que vai “contaminar a pureza jurídica do resultado”. “As câmaras (legislativas) não emitem juízo técnico. A decisão das câmaras é de conveniência e de oportunidade. Obedece a critérios exclusivamente políticos. O Tribunal de Contas age como o Judiciário, fazendo o exame de ajuste, de verificação da compatibilidade ou não dos atos do prefeito aos modelos jurídicos pertinentes, coisa que as câmaras (legislativas) não fazem. Elas não são órgãos técnico-jurídicos, são órgãos políticos que só sabem e só podem decidir por critérios subjetivos de conveniência e de oportunidade”, disse Ayres Britto. “Quem trabalha com objetividade, e não com subjetividade de capricho, não com cumplicidade e não à base de alianças, é o Tribunal de Contas. As câmaras se movimentam num outro espaço decisório, que não tem nada de técnico e tudo de político. A Lei da Ficha Limpa já foi julgada constitucional pelo Supremo. Na Lei da Ficha Limpa, o poder Legislativo não tem função judicante, tem função legislativa”, complementou.
Projeto de deputados quer facilitar situação de políticos Ficha Suja
O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados responsável pelo projeto que modifica a legislação eleitoral em vigor no Brasil, uma espécie de minirreforma política, vai entregar, na próxima terça-feira, as propostas que abrandam a Lei da Ficha Limpa e facilitam a vida dos gestores que tiveram contas reprovadas. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), coordenador do grupo, declarou que o projeto de lei complementar será inicialmente levado ao colégio de líderes e, no mesmo dia, ao plenário. A expectativa é de que a matéria seja aprovada até o fim de junho.
Pela Lei da Ficha Limpa, os gestores que tiverem as contas rejeitadas pelos tribunais de contas não podem se candidatar nas eleições dos próximos oito anos. Um dos pontos a serem modificados é justamente este, para muitos a razão de ser da Lei da Ficha Limpa. A proposta de mudança esvazia o poder dos tribunais de contas. Pelo novo texto, a palavra final sobre as irregularidades nos balanços contábeis dos chefes de executivo seria dada pelas respectivas casas legislativas.
Na prática, aqueles que tiverem as contas reprovadas apenas pelos tribunais de contas vão poder se candidatar normalmente. Prefeitos, governadores e presidentes só seriam impedidos de concorrer a cargos eletivos se os pareceres dos tribunais de contas fossem aprovados pelas câmaras municipais, assembleias legislativas ou Congresso Nacional.
A PEC da Insanidade e a Limitação da Investigação de Crimes
Como é de conhecimento, a Proposta de Emenda Constitucional, de autoria do deputado Lourival Mendes (PTB-BA), PEC número 37, também intitulada PEC da impunidade, da corrupção, da insensatez etc., busca a tentativa – ainda que inconstitucional – de criação do monopólio, da exclusividade das investigações criminais, enfim, da apuração exclusiva por parte das polícias das ocorrências de delitos, assim como de suas respectivas autorias, praticados por quaisquer criminosos, inclusive àqueles do “colarinho branco”, quando os acusados exercem visível poder de ordem política, social, econômica etc.
Os mais árduos defensores da aprovação da proposta, dentre os quais o Conselho Federal da OAB e a própria classe dos delegados de polícia, assim como inúmeros políticos profissionais, sustentam, em resumo, que deve existir uma divisão de tarefas (de atribuições), cabendo às polícias, a investigação criminal; ao Ministério Público, o exercício da acusação através da titularidade da ação penal; aos réus, através de seus advogados, o exercício da ampla defesa, respeitado o contraditório e a igualdade de armas (forças); e, ao Judiciário, o julgamento final das demandas.
Tal lógica em relação às investigações criminais, fruto de uma visão flagrantemente corporativista, parcial e individualista, que pode ser bem resumida no brocardo popular: “Cada macaco no seu galho”, bem identifica a origem da cultura patrimonialista que serve de alicerce para este entendimento, conseqüência natural da desenvolvida apropriação privada da coisa pública, numa verdadeira simbiose entre público e privado.
A lógica da divisão de tarefas nesta hipótese, segundo a qual caberia a investigação criminal às polícias, além de superficial, é visivelmente inapropriada – e nociva – para o resgate dos princípios constitucionais previsto na Carta Maior da República. Ao contrário da premissa indicada pelos defensores da PEC da impunidade, o Ministério Público, embora sujeito a equívocos, falhas e imperfeições, não é parte comprometida com a acusação ou com a necessária condenação dos réus, haja vista que, quando investiga fatos criminosos, o faz no interesse de toda sociedade, seja para pedir a condenação de um criminoso, seja para pedir a absolvição de um inocente. Dito de outra forma: Diversamente dos advogados contratados por grandes criminosos – que possuem a legítima obrigação profissional de defender seus clientes –, o compromisso do Ministério Público é unicamente com a apuração integral dos fatos, sempre buscando reconstituir os acontecimentos ocorridos e responsabilizar os verdadeiros e possíveis culpados.
Ademais, com o alto nível de corrupção no Brasil, querer limitar as investigações criminais, afastando deste processo o Ministério Público, a Imprensa, a Receita Federal, o COAF, a Controladoria-Geral da União, a Previdência Social, o Banco Central, dentre outros, representará um significativo retrocesso, quiçá definitivo, na luta contra os grandes criminosos deste País, alguns dos quais, infelizmente – uma vez eleitos de forma (i)legítima pelo povo –, terão o poder decisório de votar a proposta no Congresso Nacional. Poderia parecer engraçado se não fosse trágico!
Na prática, também como é de conhecimento geral, a investigação criminal, assim como a própria atuação repressiva, vem sendo banalizada no cotidiano policial, seja por deficiência estrutural (falta de condições físicas e humanas), seja, ainda que excepcionalmente, pela corrupção policial, em alguns casos, flagrante o desrespeito aos princípios, direitos e garantias constitucionais, presente uma atuação policialesca, expondo abusivamente suspeitos a diversas violações.
De outro lado, o crime organizado campeia livremente na estrutura estatal, com interferência relevante nos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, impondo uma resistência significante às apurações decorrentes das investigações do crime organizado e de grandes esquemas de corrupção.
Muitos são os discursos a favor e contra as operações investigativas nas estruturas criminosas instaladas no poder. As polêmicas sobre a espetacularização das prisões de suspeitos sobre o excesso e descontrole da concessão judicial de escutas telefônicas (grampos) – que para alguns representa verdadeiro resquício do autoritarismo – e sobre a subordinação e dependência das polícias ao Poder Executivo, bem demonstram a complexidade e as dificuldades do uso dos instrumentos investigativos no Estado Democrático de Direito.
Com a realidade nua e dramática da disseminação e desenvolvimento da corrupção no Estado brasileiro, de viés patrimonialista, não se pode admitir, em nome da divisão de tarefas e atribuições, em hipótese alguma, a exclusividade e limitação da investigação criminal. Também não se pode compactuar com a omissão e com o discurso falacioso generalizado dos excessos investigativos.
Percebe-se, por óbvio, a extrema dificuldade de conciliar teoria e prática, especialmente numa rede de articulação de poder escamoteada entre escândalos e atentados contra o Estado Democrático de Direito, de viés constitucional e garantista. Seja como for, parece inegável, incontestável e urgente a necessidade da investigação constitucional dos atos de corrupção e do crime organizado instalado no Estado brasileiro, realizada com transparência, critérios técnicos e responsabilidade por diversos atores, aliás, como ocorre em todos países civilizados e democráticos do Planeta.
Portanto, respeitadas todas opiniões em contrário, algumas poucas, inclusive, legítimas, não é matéria do acaso o atual debate legislativo/constitucional sobre o monopólio da investigação criminal. Longe do “circo” propositalmente armado, com a corrupção disseminada na estrutura de poder estatal, a arrecadação probatória por parte do Ministério Público, assim como de outros importantes atores investigativos, especialmente em casos de crimes envolvendo o poder político, econômico e de autoridade, torna-se imprescindível para efetiva punição de corruptos e de corruptores.
Ora, sem delongas, sendo o inquérito policial presidido pela autoridade policial prescindível ao oferecimento da ação penal pública, parece claro que o Ministério Público possa complementar ou arrecadar originalmente qualquer material probatório para formação da opinio delicti. Reconhecer um Ministério Público sem poder de investigação significa anular a própria instrumentalidade constitucional que lhe dá eficácia. Ou seja, significa negar a existência aos comandos normativos dos arts. 127 e 129, incisos I, II e III, ambos da CR, e, consequentemente, negar operatividade ao princípio constitucional da moralidade administrativa. Nesse sentido, Clèmerson Merlin Clève, advogado e professor titular das Faculdades de Direito da UniBrasil e dos cursos de Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito, pós-graduado pela Université Catholique de Louvain (Bélgica), com precisão científica e clareza matemática, esclarece que:
A atividade de investigação tem clara natureza preparatória para o juízo de pertinência da ação penal, de modo que, sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública, por ele é providenciada a fim de formar sua convicção de acordo com os elementos colhidos (29). Sendo a investigação conduzida através de inquérito policial ou por outro meio, a finalidade é a mesma, porém, o deslinde não, já que a qualidade da investigação é determinante para a formação do juízo do titular da ação penal. Diante disso, parece lógico que, dispondo de meios apropriados e recursos adequados, a atuação do membro do Ministério Público não deve ser, em todos os casos e circunstâncias, limitada pela atuação da polícia judiciária. É que o limite, em última instância, pode significar o seqüestro da possibilidade de propositura da ação penal. E nem se afirme que o controle externo da atividade policial seria suficiente para remediar a possibilidade. Necessário e acertadamente externo, o controle possui fronteiras. Pode implicar possibilidade de emergência de censura à eventual desídia, mas nunca solução ao específico caso que, diante da dificuldade de encaminhamento do inquérito, produziu reduzida chance de êxito na propositura da ação penal. Em semelhante hipótese, sequer a possibilidade de requisitar a instauração de inquérito ou de diligências investigatórias, no limite, pode se apresentar como solução para o impasse, eis que o órgão ministerial, titular da ação penal, sem poder interferir diretamente na ação policial, não dispõe de instrumentos, a não ser reflexos (controle externo), para garantir a qualidade das diligências providenciadas em virtude de requisição. A autoridade policial tem, com o inquérito policial, meios para auxiliar o Parquet na promoção da ação penal, mas se, em virtude de hermenêutica menos elaborada, lhe for atribuída a exclusividade da investigação preliminar criminal, terá também, e certamente, um meio para limitar sua função, o que importa em risco (sendo, na sociedade de risco, ainda mais grave e incompreensível) para o Estado Democrático de Direito.
Reconhecendo o poder investigatório do Ministério Público, Aury Lopes Júnior destaca que: Analisando os diversos incisos do art. 129 da CB, em conjunto com as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, especialmente o disposto nos arts. 7º e 8º da primeira e 26 da segunda, constatasse que no plano teórico está perfeitamente prevista a atividade de investigação do promotor na fase pré-processual. Não dispôs a Constituição que a polícia judiciária tenha competência exclusiva para investigar (…). Não existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu estabelecer a exclusividade de competência o legislador o fez de forma expressa e inequívoca. Tampouco a natureza da atividade ou dos órgãos em discussão permite ou exige uma interpretação restritiva; ao contrário, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justiça. (…) Não só o inquérito policial é dispensável, senão que também é dispensável a atuação policial, ou, em outras palavras, o MP pode prescindir da própria polícia judiciária. O art. 129, III, da CB trata do inquérito civil como atividade preparatória da ação civil pública; logo, quando no inciso VI o legislador afirma o poder do MP de instruir os procedimentos administrativos de sua competência, está claramente referindo-se a outros procedimentos. Aqui está a outorga constitucional para que o MP realize a instrução preliminar, considerada como um procedimento administrativo pré-processual, preparatório ao exercício da ação penal. Neste sentido, complementam a norma constitucional as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, que autorizam a instauração de procedimentos administrativos com caráter investigatório. (…) Destarte, entendemos que o Ministério Público, ademais de participar no inquérito policial, poderá ser protagonista, instaurando e instruindo seu próprio procedimento administrativo pré-processual. Entendemos que o MP pode instaurar e realizar uma verdadeira investigação preliminar, destinada a investigar o fato delituoso (natureza pública), com o fim de preparar o exercício da ação penal. Aqui se materializa a figura do promotor investigador.2
Além do que já foi argumentado, não fossem as interferências e ingerências políticas, não parece lógico que a polícia judiciária investigue sem estar em sintonia com o destinatário primeiro da investigação criminal. É inegável que melhor pode fazer justiça quem por si mesmo realiza, conduz ou comanda as investigações criminais. Como imaginar uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, guardiã da ordem jurídica e defensora da sociedade e dos direitos fundamentais, destituída de instrumentos sólidos e efetivos de controle, fiscalização, investigação, além de acompanhamento das atividades relacionadas direta e indiretamente com a coisa pública?
Como é de conhecimento, os Tribunais Estaduais, assim como o Superior Tribunal de Justiça, vêm reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para condução da investigação criminal, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, de uma vez por todas, superadas as pressões políticas e coorporativas, referendar o comando integrado dos dispositivos constitucionais, repudiando qualquer tentativa de limitação do poder investigatório do Ministério Público, ou de qualquer outra medida tendente a enfraquecer o combate à corrupção e a busca pelo propagado Estado Democrático de Direito, como ocorre com a PEC 37.
O respeito ao comando constitucional intenta fortalecer o Ministério Público em razão da difícil e fundamental tarefa de dar eficiência à estratégia de combate à corrupção e, consequentemente, de permitir a efetivação dos direitos fundamentais e a operatividade do princípio, direito e garantia da moralidade administrativa.
Uma investigação criminal, quando bem conduzida e orientada, poderá determinar decisivamente o sucesso da repressão à prática disseminada dos maiores crimes praticados contra a Nação, como ocorre na hipótese presente do chamado julgamento do Mensalão. Não por acaso, alguns réus do Mensalão, já se posicionaram publicamente a favor da aprovação da PEC 37. Enfim, basta ficarmos atentos e verificarmos – quando da votação da PEC 37 –, quem é quem!
Por Affonso Ghizzo, promotor de Justiça em Joinville e idealizador da campanha “O que você tem a ver com a corrupção”, que venceu diversos prêmios jurídicos. Autor das obras “Cartilha Legal”, “Improbidade Administrativa e Lei de Responsabilidade Fiscal – conexões” e “A Nova Lei Eleitoral – anotações à lei 9504, de 30 de setembro de 1997”. Affonso também é membro-fundador da ABMPE (Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais).
Projeto de lei que pune empresas corruptoras segue para o Senado
Nesta segunda-feira (27/5) foi encaminhado para o Senado o projeto de lei que pune empresas corruptas, após nenhum recurso ter sido apresentado até o final do prazo regimental. O Projeto de Lei nº 6826 havia sido aprovado em uma comissão especial na Câmara dos Deputados no dia 24 de abril.
A previsão é de que agora siga para a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado. Caso o texto enviado pela Câmara seja aprovado na íntegra, o projeto de lei segue direto para a sanção presidencial. Se os senadores fizerem alguma alteração, o projeto segue novamente para análise dos deputados.
Foi aprovado, nesta quarta-feira (24/4), o Projeto de Lei nº 6826, que estabelece punições para empresas por atos contra a administração pública nacional ou estrangeira, na Comissão Especial na Câmara dos Deputados.
O texto, apresentado pelo governo federal em 2010, segue o anseio de empresas e organizações da sociedade civil e as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Uma das principais vantagens é possibilidade de punir as empresas e não apenas os funcionários que participaram dos subornos. “O corruptor não é apenas a pessoa física que aparece nos noticiários. É também a pessoa jurídica que, até agora, em nosso país, não só não é punida, como pode até ser beneficiada pela corrupção”, argumenta Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos.
A proposta inclui multas para garantir o ressarcimento do prejuízo causado aos cofres públicos por atos de improbidade e que devem ser seguidos internamente pelas empresas para não correrem riscos de serem processadas pela administração pública
A Comissão Especial que analisou o projeto tinha caráter terminativo, isto significa que após sua aprovação o texto só segue para votação no plenário da Câmara dos Deputados se for apresentado um recurso com assinatura de 52 parlamentares.
Compromisso internacional
A responsabilização da pessoa jurídica em casos de corrupção é um compromisso internacional, assumido pelo Brasil junto a OCDE nos anos 1990. Em novembro deste ano o organismo fará uma auditoria no país e a não aprovação dessa lei até essa data poderá fazer que o Brasil seja considerado um país não recomendado para praticar negócios. Uma classificação como essa pode afetar as decisões de empresas com sedes em países da OCDE.
Governo e sociedade civil divergem sobre a qualidade das respostas à pedidos de informação
No último dia 16 de maio a Controladoria-Geral da União divulgou o balanço de um ano da Lei de Acesso à Informação: o governo federal recebeu 87.119 pedidos de informação até 8 de maio.
No mesmo balanço, a CGU relatou um alto índice de respostas: 95,8%. Mas o que é um pedido de acesso à informação respondido? Governo e sociedade civil divergem sobre o que pode ser considerado um pedido plenamente respondido.
Para o governo, um pedido respondido inclui três categorias:
– pedidos plenamente respondidos – 79,2% do total (66.185),
– pedidos que tiveram acesso à informação negado por questões previstas na lei – 9,8% do total (8.205); . e
– pedidos que não puderam ser atendidos por tratarem de matéria da competência legal de outro órgão ou pelo fato de a informação não existir – 6,9% do total (5.764).
Porém Organizações da sociedade civil, como a Artigo 19 e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que fizeram avaliações qualitativas das respostas dadas apontam que muitos dos pedidos não respondem satisfatoriamente às perguntas feitas e algumas justificativas de negativa de acesso não seguem a legislação.
Banco de dados de acompanhamento
Durante o último ano a organização não governamental Artigo 19 organizou um banco de dados com mais de 141 pedidos de informação apresentados para 70 órgãos diferentes nas três esferas de governo. Com base nesses pedidos, feitos entre junho de 2012 e abril de 2013, a organização pode avaliar o tempo médio de resposta, a qualidade da resposta e pertinência das fundamentações para negativas de acesso à informação.
De acordo com esse levantamento: 32% dos pedidos não foram respondidos, 40% foram respondidos com o acesso integral aos dados, 23% foram respondidos mas sem garantir acesso integral aos dados e em 5% delas o governo relata não ter a informação perguntada.
Ao analisar como estão respondendo os órgãos o resultado mostra uma melhora: 44% das respostas foram satisfatórias, esse número inclui as também aquelas respostas que, embora tenham concedido acesso parcial ou tenham alegado não possuir a informação, tenham se baseado em fundamentos legais para restringir o acesso. Por outro lado, 1% das negativas de acesso à informação usou fundamentos legais inadequados na avaliação da Artigo 19. Ainda 32% dos pedidos não foram respondidos e 23% o foram de maneira incompleta.
Os dados divulgados no relatório não foram desmembrados por esfera de governo, o que dificulta a comparação com os dados divulgados pela CGU. Somente é informado que 24% dos pedidos foram feitos para Ministérios e 6% para Agências Reguladoras Federais.
Porém o relatório da Artigo 19 mostra um ponto fraco na implementação da LAI no âmbito federal: as Agências Reguladoras requisitadas deixaram de responder mais de 70% dos pedidos.
Os jornalistas e a LAI
Uma pesquisa com o jornalistas aponta dados semelhantes. Entre fevereiro e abril deste ano, a Abraji realizou pesquisa online com jornalistas para avaliar o uso pela imprensa da LAI e identificar pontos a aplicação da lei ainda está deixando a desejar.Com base das respostas, foi produzido o Relatório de Desempenho da Lei de Acesso. O questionário foi respondido por 87 jornalistas de 14 estados diferentes. As questões tratavam da aplicação da lei em níveis federal, estadual e municipal e pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Segundo a pesquisa, o poder Executivo é nas três esferas o que mais recebe requerimentos e onde os jornalistas relatam maior número de problemas. Dos jornalistas ouvidos pela Abraji que pediram informações ao Executivo, 64% relataram dificuldades em obter as informações.
O relatório da Abraji também critica inclusive a classificação de pedido respondido mesmo quando a resposta foi negativa e acredita que isso pode levar ao risco de “conclusões enganosas”.
Chama atenção duas denúncias relatadas por profissionais da imprensa. A primeira é com a qualidade e veracidade das informações nos bancos de dados públicos. De acordo com o relatório: “Jornalistas relatam receber informações contendo incorreções e sinais de terem sido ‘maquiadas’”.
Outra denúncia diz respeito a repetição de justificativa para negativa de acesso à informação. Segundo um dos jornalistas que participou da pesquisa, o Itamaraty tem encaminhado o mesmo texto explicativo para a recusa do acesso informação, “independentemente dos novos argumentos apresentados nos recursos”.
Governo Federal lança 2º Plano de Ação Brasileiro para Governo Aberto
O 2º Plano de Ação Brasileiro para Governo Aberto foi aprovado pelo Poder Executivo Federal no dia 7 de maio. O documento contém 45 compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Parceria para Governo Aberto (OGP, na sigla em inglês) para o próximo período. As propostas estão relacionadas a cinco desafios: aumento da integridade pública, gestão mais efetiva dos recursos públicos, melhoria dos serviços públicos, criação de comunidades mais seguras e aumento da responsabilidade corporativa.
O plano foi construído pelo governo brasileiro com a participação da sociedade civil. Mais de 500 pessoas e cerca de 80 organizações da sociedade civil participaram dos dois ciclos de debates realizados: um presencial e outro virtual.
Durante esse processo, 32 propostas elaboradas pela sociedade civil foram priorizadas e enviadas aos órgãos competentes para análise. Delas, cinco foram acatadas integralmente pelo Governo Federal e transformadas em compromissos. Outras dez propostas foram acatadas parcialmente no plano.
Referências para Audiências Públicas
Entre as propostas acatadas integralmente está a Definição de uma Referência Nacional para a Realização de Audiências Públicas.Esse compromisso foi formulado pelo Instituto Ethos motivado pelo quadro encontrado nas doze cidades-sede da Copa de 2014 durante a elaboração e aplicação dos Indicadores de Transparência Municipal. Apenas cinco delas (Belo Horizonte, Fortaleza, Manaus, Natal e Recife) realizaram pelo menos uma audiência pública para debater os projetos relacionados ao megaevento.
A Secretária Geral da Presidência da República, que será o órgão responsável por implementar esse compromisso, se comprometeu a lançar até outubro de 2013 uma consulta publica virtual sobre os requisitos necessários de uma audiência pública e publicar uma nota técnica até fevereiro do ano seguinte.
Dados empresariais abertos
Entre as propostas formuladas pela sociedade civil que foi recusada está Abertura de Dados Públicos das Empresas. O Instituto Ethos, junto com entidades parceiras, foi um dos propositores desse compromisso na etapa presencial da Consulta Pública. A Comissão de Valores Mobiliários foi o órgão governamental que rejeitou o conteúdo, alegando que “as ações elencadas na proposta (…) já são adotadas, sendo importante registrar, ainda, que esta Autarquia não tem competência para opinar sobre a divulgação de informações por companhias fechadas e não sujeitas à sua regulação.”
A OGP
A Parceria para Governo Aberto ou OGP (do inglês Open Government Partnership), surgida em 2011, é uma iniciativa internacional que pretende difundir e incentivar globalmente práticas governamentais relacionadas à transparência, ao acesso à informação pública e à participação social. Representado pela CGU, o Brasil foi um dos oito países fundadores da OGP e co-presidiu a iniciativa desde sua fundação – primeiro com os Estados Unidos e depois com o Reino Unido – até abril de 2012.
Os países interessados em participar da OGP precisam apresentar Planos de Ação Nacionais, comprometendo-se a adotar medidas de fortalecimento da transparência das informações e atos governamentais, combate à corrupção, fomento à participação cidadã, gestão mais efetiva dos recursos públicos e aumento da integridade nos setores público e privado.
Devolutiva
A justificativa para a adesão ou não, por parte dos órgãos, às propostas apresentadas pela sociedade civil pode ser conferida no documento “Devolutiva”, disponível no site do e-Democracia. O objetivo da publicação é dar continuidade ao processo de participação social na elaboração do 2º Plano de Ação Brasileiro. Para tanto, foi criado um fórum online, na plataforma e-Democracia.
O cidadão pode participar desse processo até 28 de junho, colaborando com comentários, sugestões e enriquecendo o debate sobre o tema. O interessado deve acessar o Portal e-Democracia, informar seu nome completo, e-mail e estado onde mora. Uma vez no Portal, é só acessar a Comunidade “OGP – Diálogos Governo e Sociedade – Devolutiva Virtual”.
No fórum, cada órgão terá um representante responsável pela interlocução com a sociedade civil. Caberá a esse agente público monitorar as discussões relativas aos temas relacionados à sua pasta e realizar as providências necessárias.
Vídeo sobre remoções forçadas para obras da Copa é divulgado em Genebra
Representantes dos Comitês Populares da Copa apresentaram nesta terça-feira (28/5), em Genebra, Suíça, documentário denunciando remoções forçadas de moradores para obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014. O vídeo e a campanha “Copa para quem?” foram lançados simultaneamente à 23ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que começou ontem e continua até 14 de junho.
Com o nome Quem Ganha Esse Jogo? (no título em inglês, Who Wins This Match?), o vídeo foi produzido pela ONG norte-americana Witness, que apoia grupos de defesa de direitos humanos em todo o mundo por meio da documentação dos abusos denunciados.
A denúncia, apresentada em sala da sede europeia da ONU, em Genebra, onde ocorre a sessão do Conselho de Direitos Humanos, foi organizada pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop). A entidade reúne mais de 30 entidades e grupos contrários às violações de direitos humanos cometidas no processo de preparação urbanística para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
A coordenadora da Ancop, Cláudia Favaro, disse que as denúncias contidas no vídeo são impactantes, ao mostrar casos de famílias em diversas cidades do Brasil que sofreram com a repressão da polícia durante a remoção e que, após perderem suas casas, não foram devidamente indenizadas.
A representante da Ancop criticou a postura do governo brasileiro de produzir relatórios sobre a situação que não se traduzem em ações. “Para nós, o monitoramento é bom, mas o que esperamos de fato é que tomem [governo] uma providência. Não basta saber o que está ocorrendo, é preciso evitar que essas pessoas continuem a ter os direitos violados”, concluiu.